quarta-feira, 25 de maio de 2011

Como visitaria Seu Carlos


Era com duas palmas na soleira da porta da casa que as comadres e compadres de minha avó anunciavam que estavam na entrada principal da residência. O som produzido pelas mãos, seguido muitas vezes pelo grito de “Iraci”, substituíam a moderna campainha.

Minha avó é uma dessas senhoras do interior do Ceará, de Acaraú, católica, prendada, mãe de oito filhos e de um quintal com várias bananeiras e outras plantas que ela rega todos os dias, ritualmente, a partir das 5:30 da manhã.
Nas minhas lembranças, sua mesa de madeira escura e pesada com azulejos no tampo, seus santos, os lençóis, o terço, as redes, as toalhas, o café, o bolo, o pão, a carne de porco, a farofa, os salgados, seu perfume de alfazema e um sorriso farto. Dona Iraci, assim como minha mãe, adora receber visitas, e tem uma inclinação natural para abrir portas, armar redes e conversar com o coração. Com minha vó não tenho cerimônias. Só afeto.

Numa visita a Seu Carlos Câmara, agiria eu de forma similar às visitas que faço a ela. Agradeceria a oportunidade do encontro, falaria de como anda a minha vida, os estudos, o teatro, o amor, os dias aqui no Rio e em Fortaleza neste início de século XXI, relataria minhas bobagens e riria de absurdos. Escutaria ainda atentamente tudo que ele me diz, observando seus silêncios, seus gestos, seu olhar, tudo o que seu verbo não relata... Passados alguns minutos da conversa (e já estando eu mais à vontade), aceitaria o bolo que ele me oferece. Fartar-me-ia, ficando tranqüilo para deixar algumas sobras ou colocar mais cobertura. Tomando o devido cuidado com os excessos. Quando me mostrasse sua morada, olharia bem a estrutura, reconhecendo seu espaço e seus habitantes materiais e sensíveis. Recorreria neste momento a todas as casas que já visitei e outras que só conheço de vista, mas que muito me instigam, como as casas de Seu Eduardo Campos, Seu Marcelo Costa, Seu Ricardo Guilherme, Seu Marcos Barbosa, e tantas outras. E ficaria ali, suspenso... pois boas visitas não passam as horas, as datas, os motivos, muito menos merecem despedidas.

Visitas e teatros, portanto, não são efêmeros, seguem construídos em nossas memórias como relâmpagos de afeto em mão dupla: do afetar e do ser afetado. Um passado que afeta um presente, e um presente que afeta um passado, entrevendo um futuro.

Por fim, o que passa pelo sentimento não obedece a tempos, horas ou datas. É sempre uma visita desejada por qualquer Alma de Artista.

Gyl Giffony

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