domingo, 19 de junho de 2011

A memória quando em obras

  
"É que eu me sinto outro, minha irmã, física e moralmente outro, purificado por
esta simplicidade aldeã, por estas paisagens tranquilas, onde as palmeiras
abrem suas copas, com verdes ventarolas, aos beijos puros da brisa"
(Ponciano, em Alvorada)


Na antiga Fortaleza de 1918, raros eram os prédios e poucos os espaços de entretenimento. Os bairros mantinham festejos próprios, com seus teatros de paróquia, os folguedos, as pastorinhas e quermesses. Era uma Fortaleza de ruas largas e linhas de bondes. Uma Fortaleza de muitas praças, bonita e ajardinada.

Nesse cenário de cores hoje amareladas pelo tempo, precisamente no número 909 da Boulevard Visconde do Rio Branco, Carlos Câmara fundou o Grêmio Dramático Familiar. Se tudo que se move deixasse um rastro visível e permanente no espaço, por entre os carros do antigo estacionamento do nº 2406 da Avenida Visconde do Rio Branco, o endereço que hoje corresponde ao velho 909 da Boulevard, veríamos uma movimentação de se fazer notar. 

Aos nossos olhos seria permitido visitar o passado e ver as milhares de pessoas que por ali estiveram ao longo de anos de espetáculos, espectadoras dos vaudevilles escritos por Carlos Câmara e encenados pelos amadores do Grêmio. Veríamos Diva Câmara ensaiar os atores. Veríamos Eurico Pinto, Augusto Guabiraba, José Domingos, Inácio Ratts, Djanira Coelho, Gracinha Padilha e muitos outros emprestarem seus corpos e vozes às figuras de galãs, mocinhas, vilões, fossem os tipos que fossem os designados pelo engenhoso e irreverente autor.
Se tudo também deixasse um rastro audível, estrondosos seriam os aplausos na sede do Grêm... digo, no antigo estacionamento abandonado do nº 2406 da Avenida Visconde do Rio Branco. E seria possível, em algum lugar, ouvir de um diálogo bastante peculiar. Uma conversa entre Leonardo Mota e Carlos Câmara, na qual o primeiro, jornalista e escritor, convidaria o amigo dramaturgo a ingressar na Academia Cearense de Letras, em sua reorganização de 1922.

Mas as coisas não deixam rastros. Não dessa maneira. O tempo passa e as pessoas simplesmente se vão. Junto vão as conversas, os gestos, e mesmo os lugares não resistem as intempéries do tempo. Resta-nos confiar nos registros e na memória. E não esquecer de lembrar.

Visitar.

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Hoje, não mais um estacionamento, o endereço que um dia abrigou a sede do Grêmio Dramático Familiar vive um entra-e-sai de operários da construção civil. Recém-vendido, está em reforma.

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